GARIMPO EM TERRAS INDÍGENAS - POR QUE É TÃO PREOCUPANTE ?
MEIO AMBIENTE
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MEIO AMBIENTE
Pedidos de mineração atingem mais de 200 terras indígenas na Amazônia .
Com votação na Câmara dos Deputados prevista para a primeira quinzena de abril, o projeto de lei que libera mineração em terras indígenas deve impactar mais de 200 reservas só na Amazônia. É o que indicam dados oficiais da ANM (Agência Nacional de Mineração), extraídos e cedidos ao UOL pela plataforma Amazônia Minada, uma ferramenta de monitoramento mantida pelo site InfoAmazonia. O levantamento aponta que a ANM recebeu, desde a década de 1970, pedidos de autorização para pesquisa mineral ou lavra garimpeira em áreas que invadem os limites de 204 terras indígenas registradas na Amazônia Legal, que abrange Mato Grosso, Maranhão e todos os estados da região Norte. Destas, 170 já estão registradas junto à Funai (Fundação Nacional do Índio), enquanto as demais estão em alguma etapa do trâmite de homologação. Segundo a Constituição, a mineração em terras indígenas só pode ocorrer hoje com aval do Congresso e mediante consulta às comunidades afetadas. Apesar disso, a ANM mantém como ativos mais de 2,6 mil pedidos de atividade minerária em áreas que penetram, em maior ou menor extensão, os limites das terras indígenas. Boa parte destes processos é antiga, mas neste ano já foram protocolados 23 requerimentos. Em 2021, foram outros 93. Somente a terra indígena Yanomami, em Roraima, que já sofre há décadas com invasões ilegais de garimpeiros, é alvo de 500 pedidos ativos, que se acumulam desde 1974 (veja detalhes abaixo). Via de regra, pedidos desse tipo não têm sido autorizados pela ANM, mas seguem como ativos no sistema apesar da irregularidade. Mesmo que permaneçam engavetados, todavia, estes processos mostram quais terras indígenas são mais visadas pelas mineradoras e devem se tornar alvos preferenciais se a prática for legalizada, como defende o governo. "Por trás desses pedidos, principalmente os de pesquisa, estão mineradoras. Estas empresas só não entram e não exploram as áreas por uma questão de reputação, mas mantêm os pedidos lá. O que elas fazem, na verdade, é uma reserva de mercado", afirma Larissa Rodrigues, gerente de projetos do Instituto Escolhas, que conduz pesquisas sobre desenvolvimento sustentável. Procurada, a ANM afirmou que o sistema eletrônico da agência "não aceita áreas incidentes sobre unidades de conservação de proteção integral, sobre terras indígenas ou outras áreas bloqueadas". Segundo a agência, "nenhum requerimento para execução de atividade mineral prospera em áreas com bloqueio legal". O UOL confirmou, no entanto, que há interseções geográficas entre terras indígenas e as áreas desejadas pelas empresas. Todos os pedidos de mineração captados pelo monitoramento do Amazônia Minada têm alguma sobreposição espacial com as terras indígenas. Estes dados foram tirados diretamente do Sigmine (Sistema de Informação Geográfica da Mineração), mantido pela ANM. A ferramenta do Amazônia Minada é de acesso público e pode ser consultada livremente. Áreas mais visadas A maioria das reservas de minerais metálicos pelo mundo está em solos do pré-cambriano, período geológico que vai desde a formação da Terra até 500 milhões de anos atrás. A Amazônia, que tem 40% do seu território em áreas pré-cambrianas, é rica em uma série de substâncias e alvo de atividades minerárias desde a primeira metade do século passado. No sistema da ANM, os pedidos mais antigos de pesquisa minerária que avançam sobre terras indígenas, e que ainda estão ativos, remontam a 1972. Na maioria dos casos, as áreas cobiçadas são limítrofes às terras demarcadas pela Funai, e ultrapassam ligeiramente estas fronteiras. Um exemplo é a terra indígena Kayapó, no sudeste do Pará, onde moram 4546 pessoas, segundo o Censo 2010. O povo Kayapó, cuja população total gira em torno de 12 mil, também habita outras 11 terras no Pará e no Mato Grosso. Segundo o banco de dados Povos Indígenas do Brasil, do ISA (Instituto Socioambeintal), eles vivem em aldeias dispersas pelo curso de rios afluentes do Xingu. Os mapas gerados pelo Amazônia Minada, utilizados pelo UOL com autorização da plataforma, mostram a dinâmica dos requerimentos das empresas. Ao redor da TI Kayapó, por exemplo, há 112 pedidos ativos para alguma atividade minerária. O mais comum é o de pesquisa, identificado em amarelo: Mais da metade dos processo na área da TI Kayapó tratam da exploração de ouro, mas também há pedidos ativos para outros minérios: cobre, ferro, manganês, cassiterita (minério de estanho), cobre, tungstênio e zinco, entre outros. Embora haja muitos casos antigos, 28 novos pedidos na área foram protocolados desde 2019. Por que a mineração em terras indígenas é preocupante? A mineração causa um impacto muito grande nas terras exploradas, desde a degradação do meio ambiente até a proliferação de doenças. O Movimento Pela Soberania Popular da Mineração (MAM) de Minas Gerais, dedica, desde o início da pandemia, uma atenção em combate ao avanço do coronavírus em territórios que sofrem com a mineração, principalmente, as terras indígenas. Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, cerca de 652 indígenas já morreram devido ao novo coronavírus, em todo o território nacional. A falta de ações do governo para proteção dessas comunidades pode ser um dos motivos da proliferação da doença. Sem políticas e medidas para protegê-los das invasões de terras para o garimpo e desmatamento, a população indígena se torna refém dessas práticas agressoras. Em entrevista ao Colab, Rogério Duarte do Pateo, professor do Departamento de Antropologia da UFMG, aponta que os problemas sanitários da mineração podem ser prejudiciais a população indígena. “Se as atividades de mineração, sobretudo o garimpo, trazem uma degradação muito grande da situação sanitária, pode existir um aumento exponencial da malária. Por exemplo, em garimpos como aluvião, vão sendo formadas grandes poças de água contaminadas com mercúrio, que viram vetores da doença. Temos também o problema da entrada de outras doenças pelos garimpeiros”. O antropólogo ainda afirma que, a presença da mineração no cotidiano de índios altera seu modo de viver. “ O conjunto de problemas sociais que vem junto com isso [mineração] pode ser o aliciamento dos índios, que param de fazer suas atividades de caça e roça, para trabalhar no garimpo. Isso gera um ciclo de dependência que depois eles dificilmente conseguem superar. Também há o aliciamento de mulheres, criam-se tensões internas etc. É uma coisa extremamente grave e complexa e que, atualmente, está no seu pior momento”. Em fevereiro, o Congresso Nacional recebeu um projeto que autoriza atividades como mineração, turismo, pecuária, entre outras em terras indígenas. De acordo com informações da Agência Senado, o projeto vai ao encontro de declarações do presidente Jair Bolsonaro, que defende o aproveitamento econômico desses territórios. A Constituição garante que esses tipos de atividades em terras indígenas só podem ser realizadas com autorização do Congresso Nacional.
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